Claudio Bernabucci - Carta Capital
Formado em Ciência Política na Universidade La Sapienza, em Roma, é ex-assessor internacional da prefeitura da capital italiana e ex-funcionário da ONU. Interpreta o Brasil, país que escolheu para morar a partir de 2010, aos olhos do mundo.
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Fronteiras
30.01.2013 09:18
O otimismo da vontade
Acontecimentos de enorme gravidade que se sucederam nas últimas décadas em escala planetária arriscam de nos condenar ao pessimismo mais sombrio. A exploração exasperada da natureza, as mudanças climáticas e suas destrutivas consequências, o crescimento das desigualdades e, sobretudo, a incapacidade da política mundial de contrastar tais fenômenos, parecem conduzir a humanidade a um beco sem saída.
Ao mesmo tempo, casos específicos, mas de grande importância simbólica e factual, indicam que uma política inovadora e previdente pode servir como força motriz para a melhora da qualidade de vida da humanidade. Não me refiro apenas a fatos históricos já consolidados, mas a sucessos mais recentes, tais como os progressos generalizados na África (considerado continente perdido até poucos anos atrás) ou os surpreendentes avanços econômicos dos países emergentes.
A história, é notório, avança de forma descontínua e contraditória. E a humanidade, para não sucumbir a desafios que parecem insuperáveis, precisa dotar-se de uma boa dose de otimismo na ação, para manter aberta a esperança. Esse é o corolário indispensável do pessimismo com que nossa razão olha para as grandes missões. A necessária mistura entre pensamento crítico e vontade de alcançar nossos ideais permite as mais ousadas realizações, como brilhantemente sintetizado por Antonio Gramsci na fórmula “pessimismo da razão e otimismo da vontade”.
Partindo dessas premissas, chama a atenção um estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) que coloca a Coreia do Sul nos vértices mundiais no setor da educação. País de dimensões pequenas (90 vezes menor que o Brasil), mas com população relativamente numerosa (50 milhões de habitantes), conquistou nos últimos dez anos resultados econômicos formidáveis. Em 1948, no pós-Guerra, partiu de um nível de pobreza entre os mais altos do mundo, para chegar hoje à uma riqueza de Primeiro Mundo (renda per capita de 24,5 mil dólares). Ingrediente principal desse sucesso foi, sem duvida, a ênfase e os investimentos feitos em uma educação de excelência. Os resultados dessa política são significativos: em 1948, a população analfabeta chegava a 78%; hoje 98% das pessoas entre 25 e 34 anos completam a escola secundaria e 80% dos jovens de 18 anos ingressam na universidade. Os governantes coreanos entenderam cedo que essa era a única saída para um país pequeno e pobre de recursos naturais. Sem querer tomar o exemplo asiático como modelo para nós, ocidentais, isso demonstra de forma irrefutável que a educação de excelência produz um desenvolvimento amplo e promove setores de vanguarda. De todos os pontos de vista, é um ótimo exemplo de aplicação do otimismo da vontade.
No Brasil, a natureza, pródiga de todas as riquezas, parece não ter induzido os governantes do passado a investir no capital humano, mas, ao contrário, a explorá-lo na procura do enriquecimento de poucos. Quanto aos governantes do presente, que parecem ter as melhores intenções de inverter a tendência, na prática estão percorrendo um caminho de desenvolvimento já trilhado por outros e que corresponde prevalentemente a interesses também de outros.
Enquanto os países qualitativamente mais avançados há mais tempo entraram na pós-moderna “sociedade do conhecimento”, o Brasil parece concentrar-se na tentativa de industrialização nos patamares que outros países realizaram no século passado.
Por que então não tentar encurtar o caminho da historia, recolhendo lições de sucessos alheios, para acelerar um processo original de desenvolvimento que, sustentando uma indústria de qualidade, dê mais espaço à educação, à pesquisa e à inovação?
As grandes políticas precisam de importantes recursos financeiros e humanos, além da vontade de realizá-las. O Estado, que hoje não tem possibilidade de grandes investimentos na educação, poderia considerar um imposto extraordinário plurianual sobre os patrimônios, que, historicamente, foram isentados de contribuição significativa ao bem-estar social. Existe no País um estrondoso silêncio sobre a possibilidade de que os ricos paguem mais impostos, na medida, por exemplo, adotada pelo principal país de referência dos endinheirados nacionais, ou seja, os Estados Unidos. Tal política – comentarão os perplexos – vai produzir resistências e conflitos, inimigos da estabilidade social. Seja bem-vinda a luta política no país do homem cordial, dizemos nós, porque nenhuma conquista social na história veio por gentil benevolência das classes dominantes, nem por graça divina.
Quanto aos recursos humanos para implementar uma grande política de educação, no Brasil, inteligências abundam. Mas, nesta fase, nos parece que há carência de certo otimismo da vontade. Em outros termos, talvez seja a hora de solicitar aos políticos visionários que ressuscitem das cinzas.
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