terça-feira, 7 de agosto de 2012

REINVENÇÃO DA DEMOCRACIA


Manuel Catells - sociólogo espanhol. -  (Trechos da entrevista publicada no site Outras Palavras).
Observador atento e colaborador ativo dos “indignados” espanhóis, este sociólogo de projeção internacional costuma frisar que a mudança de mentalidades, desejada pelo movimento, requer tempo. Mas será possível esperar?
Castells também tem observado que a velha democracia fechou-se sobre si mesma, devido a dois fatores principais. Uma pequena oligarquia, ligada às finanças, enriquece graças ao Estado. São os aplicadores em títulos públicos, cujos rendimentos biliónários já não estão diretamente ligados à produção: dependem de governantes dispostos a manter juros elevados; a livrar os bancos de controle; a reprimir despesas estatais voltadas a outras classes sociais – como a manutenção dos serviços públicos, aposentadorias e programas redistributivos.
E esta oligarquia, que tem fartos recursos para patrocinar campanhas eleitorais, abastecer a mídia tradicional e produzir intensa ação de “lobby”, associa-se, na maior parte dos países, a uma classe de “políticos profissionais” que tende ao autismo. Preocupados em conservar seu poder, rechaçam as múltiplas chances de democracia que as novas tecnologias viabilizam. Recorrem com frequência à violência policial. Ameaçam permanentemente a própria liberdade na internet.
É na rede, como se sabe, que Castells vê, há muito, a esperança. Aqui, os cidadãos estão multiplicando as formas de produzir colaborativamente, trocar sem tornar-se dependentes de dinheiro, estabelecer redes de informação recíproca. Esta imensa rede de novas relações democráticas e participativas só não se estendeu às instituições porque tal transposição não interessa nem à oligarquia financeira, nem aos políticos profissionais.
Castells não se arrisca a prever o desfecho deste confronto latente. Sabe que há riscos: se o sistema se mantiver hermético, os movimentos “radicalizarão inevitavelmente” – e isso talvez incluia violência, o que pode fazer o jogo das classes dominantes.
Você costuma dizer que o poder não está na Casa Branca, nem nos mercados financeiros, mas em nosso próprio cérebro. Por que este é um segredo das elites?

Manuel Castells: Bem, é porque se eles nos contarem isso, perdem o poder. O poder real não é o poder da polícia ou do exército: estes só são utilizados em último caso, quando as coisas estão muito mal para o interesse dos poderosos. O mais importante, se você quiser ter poder sobre mim, é conseguir que eu pense de uma forma que favoreça o que você quer, ou que se resigne. Aí está o poder! Portanto, o essencial é o poder que está na mente, e a mente se organiza em função de redes de comunicação, redes neurológicas no nosso cérebro, que estão em contato com as redes de comunicação em nosso entorno. Quem controla a comunicação controla o cérebro e dessa forma controla o poder.
Por que as instituições se separaram tanto das pessoas? Por que o abismo foi se expandindo?
Manuel Castells: Primeiro, porque as elites financeiras detêm o poder econômico e montaram um sistema no qual, em vez de emprestar para produzir, o que fazem é vender dinheiro para criar dinheiro artificial e montar uma pirâmide em que tudo é fictício, em nível global. Aumentaram artificialmente os preços dos imóveis, das ações, e concederam empréstimos às pessoas, inclusive sem que estas quisessem. Tinham medo e não entendiam, porque o negócio era vender dinheiro, e empréstimos, em qualquer condição. De forma totalmente irresponsável, do ponto de vista da economia, mas muito interessante para eles, porque todos os grandes executivos que agora estão deixando os bancos saem com indenizações milionárias. Para eles, tudo funcionou muito bem.
Quando a justiça vai ganhar, nestas regras do jogo que você propõe reconstruir?
Manuel Castells: Quando os cidadãos tiverem capacidade de fazê-lo. Sim, as pessoas podem votar. Mas primeiro, podem fazê-lo apenas a cada quatro anos. Segundo, sob regras muito desiguais. Por isso, é muito complicado mudar através do voto.
A maior parte dos políticos é gente mais ou menos honesta: não é verdade que sejam todos corruptos. Mas qual o objetivo central de um político? Conservar o posto. Esse é o aspecto mais importante, porque, para a maioria, é profissão. Se não fizerem isso, terão que trabalhar como todo mundo. Se mantiverem poder, terão melhores cargos, até porque a maioria não tem nível profissional muito alto.
Então, a classe política se reproduz. Para entrar em um partido, você tem que começar aderindo a um dos grupos internos. É todo um mundo fechado em si mesmo, e esse mundo não tem ar. A novidade é que, com a internet, abriram-se janelas. Porque os políticos e banqueiros, juntos, controlam os meios de comunicação. Não controlam os jornalistas, que por sorte são a linha de resistência, mas orientam os proprietários dos meios de comunicação e, portanto, suas linhas editorias. Por consequência, temos o controle dos meios, das finanças (e, portanto, da economia), o controle do estado através de uma classe política que se reproduz.
Você tem esperança?
Manuel Castells: Sempre — mas só porque os movimentos têm esperança. Meu novo libro, que será publicado em breve, chama-se Redes de indignação e esperança: são os dois sentimentos que existem no movimento. A indignação foi fundamental para superar o medo, porque o medo é a emoção que todas as sociedades impõe para não mudar nada. As pessoas têm medo de que, se fizerem algo que não está dentro das normas do sistema, no mínimo perdem o emprego. Como se supera o medo? As próprias experiências neuro-cientificas mostram que é com a indignação. Quando se sente muito indignado, você não se importa com o que pode acontecer. Isso já se deu.
Mas se não se transforma em um sentimento positivo, se a indignação é pura raiva, isso leva a um enfrentamento. Qual é o sentimento positivo? A esperança. A esperança de que algo irá mudar. Como se constrói a esperança? Quando as pessoas se juntam. Por isso, o lema na Espanha é: “juntos, podemos”. É a ideia de que eu não posso, e que você não pode, mas muitos juntos, sim, podemos. A vitalidade desse movimento não é apenas em função da internet, a vitalidade é necessária para poder seguir fazendo algo aparentemente impossível, que é reconstruir a democracia a partir dos cidadãos.




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