quarta-feira, 17 de outubro de 2012

PROPOSTAS PARA OUTRO DESENVOLVIMENTO


Caminhos para Outro Desenvolvimento

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Diante da crise ambiental e das desigualdades crescentes, multiplicam-se, também no Brasil, experiências de Economia Ecológica. Como elas podem contagiar a sociedade?
Por Ivo Lesbaupin* 

MAIS:E se for não for apenas um slogan?
Outra forma de produzir e distribuir riquezas, baseada em lógicas pós-capitalistas, está em construção. Nossa nova coluna pretende torná-la visível. Por Antonio Martins– 
Nos últimos anos, diversos países latino-americanos, como Equador e Bolívia, vêm incorporando em suas constituições, o conceito do bem-viver, que nas línguas dos povos originários soa como Sumak Kawsay(quíchua), Suma Qamaña (aimará), Teko Porã (guarani). Para alguns sociólogos e pesquisadores, temos aí uma das grandes novidades do início do século XXI.
Redescobre-se agora um conceito milenar: o “Viver Bem”. “A expressão Viver Bem, própria dos povos indígenas da Bolívia, significa, em primeiro lugar, ‘viver bem entre nós’. Trata-se de uma convivência comunitária intercultural e sem assimetrias de poder (…). É um modo de viver sendo e sentindo-se parte da comunidade, com sua proteção e em harmonia com a natureza (…), diferenciando-se do ‘viver melhor’ ocidental, que é individualista e que se faz geralmente a expensas dos outros e, além disso, em contraponto à natureza” – escreve Isabel Rauber, pensadora latino-americana, estudiosa dos processos de construção do poder popular na América Latina indo-africana”1.
A gravidade da crise ambiental
A humanidade está hoje na direção da não-sustentabilidade, caminhando rapidamente para tornar a Terra inabitável: estamos desmatando numa velocidade incrível por toda parte, seja para vender a madeira, seja para exportá-la, seja para dar lugar a grandes pastagens e plantações de commodities (no caso brasileiro, soja e etanol, principalmente). As florestas são fundamentais para garantir a biodiversidade, mas também, entre outras coisas, para termos chuva e lençóis freáticos abundantes. 
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Nós temos um país com riquezas naturais invejáveis, dotado de uma enorme biodiversidade, com terra agricultável em quantidade, com uma imensidão de trabalhadores aptos a trabalhar – o principal recurso para o desenvolvimento –, com um parque produtivo que foi atingido mas não destruído pelas políticas neoliberais. Somos banhados pelo sol o ano inteiro, temos 13,8% da água doce do mundo e temos ventos: ou seja, poderíamos ter toda a nossa energia renovável, eólica, solar, geotérmica, oceânica e outras.
É mais do que nunca o momento de pensar em um modelo de desenvolvimento centrado nas necessidades humanas, que garanta a reprodução da natureza, evite o desperdício e não esgote os bens de que precisamos para viver. Um desenvolvimento que esteja voltado para a vida e não para a maximização do consumo.
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Precisamos construir uma outra concepção de desenvolvimento, centrado na satisfação dessas necessidades. Desenvolvimento não é sinônimo de crescimento econômico, como afirma a teoria econômica dominante – difundida pela grande mídia –, desenvolvimento não é sinônimo de “produtivismo-consumismo”. Desenvolvimento é desdobrar as potencialidades existentes nas pessoas e na sociedade para que tenham vida e possam viver bem2. Isso implica garantir proteção social para que as pessoas se sintam seguras face às dificuldades imprevistas que podem atingir qualquer ser humano.
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Temos de mudar a matriz energética (e a tragédia ocorrida no Japão só fez confirmar a urgência dessa mudança): substituir a energia baseada em combustíveis fósseis e a nuclear por energias renováveis. Nesse ponto, em termos de estudos e de propostas, estamos nos adiantando. Temos estudos mostrando a viabilidade técnica de obter toda a energia de que necessitamos via energia eólica, solar fotovoltaica, solar térmica, oceânica, geotérmica e hidrelétrica10 (ver, por exemplo, o recente estudo do Greenpeace no Brasil, A revolução energética e o Relatório sobre Energia, produzido pela WWF)11. Não temos necessidade de nenhuma nova megausina hidrelétrica para garantir eletricidade para o povo, não precisamos expulsar povos indígenas e ribeirinhos de seu habitat, não precisamos mais acabar com belezas naturais como Sete Quedas, exaltada nos versos de Carlos Drummond de Andrade12.
Um estudo da Academia americana de Ciências indica que o potencial de produção eólica terrestre representa 40 vezes as necessidades atuais de eletricidade. Na China, cobriria 16 vezes as necessidades do país13O potencial avaliado pelo Atlas Eólico Brasileiro é de que a energia eólica pode multiplicar por dez a energia gerada por Itaipu (apud Greenpeace, 2010).
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Repensar o sistema de transporte, investindo pesadamente no transporte coletivo, diversificado, apoiado nos trilhos – trem, metrô, bonde (tramway) -, nos ônibus; e também na utilização de bicicletas – estimulada por investimento público e garantindo condições de segurança. Estabelecer vias preferenciais para os ônibus (o que os torna mais rápidos e mais atrativos), reduzir as áreas acessíveis aos carros individuais, investir em ciclovias e ruas para pedestres.
Isso implica abandonar a centralidade do automóvel em nossa civilização – e do transporte rodoviário. A prioridade para o automóvel está inviabilizando as cidades, aumentando o aquecimento global, a poluição ambiental e as doenças respiratórias, prejudicando o ser humano.
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Repensar a cidade: a cidade para o bem-estar dos habitantes. Pensar a construção das habitações de modo que os materiais utilizados sejam poupadores e geradores de energia: tetos solares, sistema de captação de água da chuva para diversos usos. Além disso, pode-se produzir equipamentos geradores de energia em pequena escala, residencial – para garantir o abastecimento das necessidades domésticas, para a iluminação e a climatização (“residência eficiente”). Energia fotovoltaica para os aparelhos domésticos, energia solar térmica para a água quente. De forma a aproveitar o máximo e a desperdiçar o mínimo aquilo que a natureza oferece. Mesmo imóveis antigos, mal isolados, podem passar por uma renovação energética e reduzir o gasto de energia em 20 a 50%21
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O desenvolvimento que nós queremos
Queremos um desenvolvimento que nos dê vida e não produtos. Temos de produzir aquilo de que precisamos, não aquilo que as empresas querem que consumamos, para atender a sua ganância de lucros. Não precisamos de um celular novo por ano, de uma televisão a cada Copa do Mundo, de mais ruas, avenidas e viadutos para garantir a venda de mais carros. Não precisamos de máquinas de lavar que quebram depois de um ano ou computadores que ficam obsoletos depois de alguns meses. Tudo aquilo de que precisamos pode ser fabricado de modo a ter longa duração, a poder ser aperfeiçoado sem ser trocado, a ser consertado em vez de eliminado. Precisamos de reengenharia, sim, mas para que nossas indústrias se dediquem a utilizar o que já existe para produzir coisas novas e úteis.
Sim, é verdade: “outro mundo é possível” – nele poderemos “viver bem”, na solidariedade com os irmãos, em harmonia com a natureza.
*Ivo Lesbaupin é sociólogo, coordenador do Iser Assessoria e membro da direção nacional da Abong – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais. Uma primeira versão deste artigo foi publicada em Le Monde Diplomatique Brasil, novembro de 2010.


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