Autor de diversos livros Nils Castro, intelectual do Panamá, lançou durante a Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20 realizado entre os dias 15 e 22 de junho, no Rio de Janeiro (RJ), sua mais recente obra: “As esquerdas latino-americanas em tempo de criar”. (Entrevista à revista Brasil de Fato - site).
Quais são as principais forças de resistência na América Latina hoje?
Nosso continente tem uma rica diversidade de processos nacionais e socioculturais que é preciso compreender e somá-los sem restringir as forças da pluralidade de seus integrantes. No passado, o esforço teórico por destilar definições classistas, rigorosas e estreitas nem sempre conduziu a melhores resultados práticos senão a maiores sectarismos políticos. Prefiro as noções mais generalizadas que abarcam toda a variedade dos contingentes dos oprimidos, marginalizados, despossuídos, explorados e discriminados. A todos os que padecem da injustiça e carecem de participação, sem importar muito se se trata de pobres do campo ou da cidade, de trabalhadores manuais, de pequenos proprietários ou de intelectuais.
Talvez na Europa dos socialdemocratas do século XIX e começo do XX essas definições excludentes tiveram utilidade, mas na América Latina não foi assim; essas categorias sociais aqui não estão tão diferenciadas e, se estiveram, nosso papel não seria o de separá-las e sim a de uni-las. Assim, prefiro as noções mais amplas de chamada, como a de Fidel Castro em “A história me absolverá”, que não excluía e incitava a classe média – por isso ali a revolução triunfou – e como a de Nelson Mandela.
Nenhuma solução revolucionária pode nascer e desenvolver-se nascendo de um sectarismo.
A América Latina passou por um período, no século passado, de muitas ditaduras militares e muitas delas, segundo alguns estudiosos, foram viabilizadas pelos Estados Unidos. Qual a influência estadunidense hoje na região?
Não apenas viabilizadas, mas impostas por distintas agências estadunidenses, quando suas autoridades impediam que os povos latino-americanos pudessem eleger os governos que gostariam. Isto não é mais assim na medida em que o poder relativo dos Estados Unidos tem diminuído, e que alguns setores da opinião pública americana agora têm concepções mais éticas e democráticas, em que os povos latino-americanos são menos tolerantes com as ingerências estrangeiras, e em que os governos progressistas na América Latina têm conseguido recuperar maiores cotas de autodeterminação e soberania.
No entanto, embora a hegemonia estadunidense não esteja tão esmagadora como antes, não deve ser subestimada. No establishment quem controla Washington são as forças reacionárias e prepotentes que dispõem de um conjunto de agências oficiais, extraoficiais e privadas de amplo alcance conspirativo e pouco respeito pelas leis e o espírito do direito internacional. Há anos que experimentamos invasões militares como a da República Dominicana (1965) e Panamá (1989), mas isso não significa que essa alternativa seja materialmente possível, posto que em países mais remotos como Iraque e Afeganistão elas seguem ocorrendo.
A viabilidade de nossos projetos progressistas de maior alcance depende de nós mesmos, e da solidariedade entre nossos povos e governos: de nossa própria coragem moral e política, como tem demonstrado a resistência cubana. Isso exige duas coisas: por uma parte, incrementar nossa capacidade de esclarecer ideais e criar cooperações em diálogo com setores progressistas estadunidenses. De outro modo, nossa capacidade de propor a nossos povos projetos em que eles possam crer e confiar, e que produzam resultados desejáveis e eles queiram defender.
Nos últimos anos ocorreram tentativas de golpes na Venezuela, Bolívia, Equador e Honduras, e em junho o presidente do Paraguai foi deposto. Existe alguma relação entre esses fatos? Como você avalia a saída de Fernando Lugo do poder?
No ano passado publiquei um ensaio chamado Quem é e o que pretende a “nova direita”, que circulou bastante nos meios digitais e que aborda um tema que agora desenvolvi mais neste último livro. Ali digo que com a eleição dos governos progressistas a direita tradicional foi vencida nas urnas e perdeu temporariamente a luta, mas que não foi derrotada em seu poder econômico, sociocultural e midiático. Portanto, tem amplos recursos para reavaliar a situação e criar seus novos métodos, linguagens, mitos e formas de persuasão e engano para lutar pela recuperação do governo.
Pode ser por novos meios, como no Panamá e no Chile, criando a lenda de que convém eleger um “não político” que é um empresário exitoso, isto é, um personagem que demonstra grandes habilidade para os negócios e está disposto a por seu serviço à disposição da sociedade. Um personagem que acima de tudo, como é muito rico, já não necessita enriquecer com o uso do governo: eficiente e honesto, é o substituto perfeito dos desprestigiados políticos tradicionais. Este modelo se iniciou com Berlusconi na Itália e continuou com Martinelli e Piñera em nossa América. Nos três casos, apoiando-se em uma esmagadora ofensiva midiática, para instalar esse mito e desqualificar seus adversários.
Este modelo é um fracasso, posto que os três têm sido um fracasso no governo e tem causado uma enorme desilusão social.
No entanto, as direitas também estão tentando reconquistar o governo através de variantes “melhoradas” de seus velhos métodos: em Honduras, os generais deram o golpe, mas em seguida se disseram ao lado entregando o poder aos civis mais reacionários, para amortecer as reações antigolpistas. No Paraguai não acionaram o exército, mas promoveram astutamente um golpe parlamentar supostamente “legal”, mas ostensivamente ilegítimo, também buscando neutralizar as resistências. No Equador e Bolívia, tentaram simular conflitos étnicos e sindicais, como o das demandas salariais e dos policiais.
Em todos os casos, houve uma cobertura de artilharia intensa dos grandes meios tradicionais de comunicação, que servem para distorcer os fatos e o discurso dos pretextos golpistas.