terça-feira, 6 de novembro de 2012

ENTREVISTA SOBRE MÍDIA, JOVENS E PROFESSORES


(Site outraspalavras - Trechos publicados por Petrônio Filho).
Pesquisadora da Escola do Futuro provoca: juventude é engajada, solidária e generosa; Educação é que parou na era industrial
Entrevista a Jô Húngaro
Quais os temas, hoje, que levam os jovens a buscar informação e a se mobilizar para uma participação coletiva?
Vivemos numa sociedade em que as pessoas têm mais poder de decisão. O jovem pode não estar organizado, mas está conectado. Isso talvez esteja criando um sentido novo à questão da solidariedade. Percebemos pelas pesquisas que as crianças e adolescentes – desde o ensino fundamental, mas principalmente do ensino médio – quando têm interesse em algum tema ou assunto específico têm hoje mais capacidade de se desenvolver do que antes, porque vão atrás.

Os interesses são variados. A cultura permeia muito a vida deles, seja a música, o teatro, a dança, a literatura, a poesia. Tem também a questão do reconhecimento: o jovem hoje reconhece quem conhece – não porque é mais velho, mas pelo mérito, pela experiência que a pessoa traz. E tem também a troca entre iguais (pares), com que a escola não está sabendo lidar.
Veja, por exemplo, o que esta acontecendo com o caso da menina Isadora, de Florianópolis, de 13 anos, que criou uma página no Facebook chamada Diário de Classe. Sua intenção, conforme ela diz, foi a de mostrar a verdade sobre as escolas públicas. Criada em julho passado, esta página, no final de setembro, já contava com mais de 320 mil pessoas que apoiavam (curtem) a iniciativa. A ideia, que tem mostrado muita eficácia, é simples: com o celular ela foi batendo e publicando fotos das instalações da escola em que estuda.  Ela mostra paredes sujas, portas sem fechadura (que assim que publicadas foram trocadas por novas), vaso sanitário sem tampo, a merenda, as aulas, enfim, sobre várias questões do dia a dia escolar.
Não é preciso dizer que muitos grupos de alunos, inspirados na ideia de Isadora estão replicando e conseguindo mudanças em suas escolas. Soubemos de um caso na zona oeste de São Paulo, que o edifício da escola foi interditado por certo período de tempo, no mês passado, para passar por uma reforma (depois de compartilhadas inúmeras fotos num blog).
É desse tipo de jovens que estou falando. Usando a tecnologia, muitas vezes descobrem o que querem e o que podem fazer  e se ajudam muito. Com os pares, começam a frequentar comunidades, desenvolvem uma comunicação útil, funcional. Trazem a questão da colaboração mais presente que as outras gerações. Ou, melhor dizendo:estar em rede torna mais fácil colaborar.
Talvez a generosidade humana e o espírito colaborativo sempre tenham existido nas práticas dos centros comunitários locais, associações de classe, religiosas ou de bairros, por exemplo, mas agora, com os dispositivos móveis conectados, ficou mais fácil exercitar realmente uma participação mais distribuída, menos formal. O comportamento mais coletivo e colaborativo é consequência das oportunidades que nossa época traz. Não é à toa que estão aparecendo os projetos de “multidão conectada”, como os crowdsourcing, crowdfunding etc.  A tendência é essa. As pessoas em rede, voluntariamente, se juntando para apoiar, desenvolver uma questão de interesse comum e depois se separando. É um novo jeito de desenvolver projetos, criar soluções, resolver problemas, aprender e fazer circular. É a força do coletivo impermanente.
É também a lógica de projetos hoje bem estabelecidos e conhecidos entre as pessoas, como o Linux (Software Livre), a Wikipedia etc. É a chamada cultura digital:  “eu faço um pedacinho, outra pessoa vai fazer outro pedacinho”. Isso gera uma potência, uma sensação de autonomia do tipo: “me interesso por isso e vou atrás, não preciso esperar por ninguém”. Porém, essa autonomia, por um lado é fundamental para inovar e criar soluções, por outro pode gerar certa carga de arrogância por parte de alguns jovens e, no excesso, gerar uma percepção mais de onipotência do que de potência criativa.
Essa característica criaria um distanciamento da política, já que a resolução dos problemas da sociedade é distante e para isso ele não tem autonomia?
Estamos numa época de transição rumo a formas mais múltiplas, polifônicas, de participação. Esses relacionamentos múltiplos estariam gerando uma consciência que não é, como no passado, uma consciência de classe, de pertencimento a um partido, mas sim uma consciência de que cada um tem que se mover, de vez em quando, por certas causas.

Essas causas são tão diversas quanto são os interesses humanos. São motivações que podem não ser as mesmas sempre, nem para todos, e nem estão dadas de uma só vez. A última eleição presidencial foi a que mais usou a internet. Mas a qualidade da conversa foi sofrível, muito aquém do que se esperava. É como se fosse uma guerra de torcidas: xingamentos, gritarias, difamação. A ampliação do debate ou sofisticação positiva foi zero. Mas percebi uma coisa na população mais jovem: por mais que tenha sido um jogo de torcidas e que o jovem ache que não tem nada a ver com isso, que “esses caras estão por fora” – houve mais informação circulante na internet, e, portanto, ele ficou mais próximo desse contexto. Não é uma televisão ou rádio que ele desliga, a informação circula nas redes dos amigos, dos amigos dos amigos, gera comentários, compartilhamentos, reações. A política ficou mais próxima dele.
Outras formas de se fazer política também começam a aparecer, micropolíticas em rede. A informação aberta, acessível a todos em tempo real, permite que cada um selecione, compartilhe, discuta. Estamos, portanto, confrontados com questões que desafiam a sociologia, a filosofia, a política. E, de vez em quando, por caminhos imprevistos, o debate converge e leva a ações coletivas.
O que motiva os jovens a irem para a rua ou a discutir na internet alguma ação?
O nível de participação é variável. A mobilização se dá em cada momento, em relação a um determinado tema. Os jovens querem descobrir por eles próprios. E eles estão ligados, conectados, percebendo as coisas.  Você tem que aproveitar isso para as causas. Tem uma moçada com uma percepção mais clara da questão ambiental, de que se a gente continuar esse consumo desenfreado, não vai dar. A questão do meio ambiente é mobilizadora. Duas gerações atrás, o consumo era a questão. Agora, está mais evidenciado o não-consumo, essa preocupação com o planeta. Por exemplo, mecanismos de liberdade e de responsabilidade, como o maior uso das bicicletas e com mais segurança, nas avenidas, por exemplo.

E quanto aos valores que norteiam nossa sociedade?
Estamos em um momento de mudanças. Começam a caber valores do coletivo, mais solidários ou mais conscientes dos “bens públicos globais”. A liberdade para empreender e criar toma lugar da estabilidade e segurança. A incerteza não imobiliza, gera a percepção de muitas possibilidades. Filhos estão mais preocupados em cuidar do planeta do que seus pais. A gente saiu de uma sociedade industrial que promoveu certos valores, mentalidades e comportamentos. Hoje, alguns comportamentos não servem mais. Não é inteligente consumirmos desse modo, essa conta não fecha. Não sabemos o que fazer com o lixo que geramos. É claro que estamos em meio a múltiplos interesses de grupos poderosos, que não querem mudar, mas isso está na pauta do jovem. Talvez de forma crescente: as crianças estão vindo com mais discussão. É uma pauta coletiva mundial do jovem.

Sobre a questão da cidadania, você percebe mudanças?
A cidadania, no século XXI, terá um certo individualismo, no sentido da autonomia. Uma sociedade com menos instituições e mais liberdade para criar associações. É quase um paradoxo: as pessoas ficam menos institucionalizadas, coletivizadas na instituição; há uma certa individualização, ao mesmo tempo em que se amplia a capacidade de ação coletiva – que é a aliança como condição de conquistas. São camadas, duas dimensões que caminham juntas. A despeito da existência de estruturas, de uma ordem estabelecida, as pessoas estão se conectando por sua própria iniciativa. No passado, o compartilhamento se dava por estruturas mais organizadas, pertencimentos institucionais. Essa possibilidade de conectar e desconectar atinge todas as relações, sejam de laços fracos ou fortes.

A internet tem também muito lixo. As pessoas produzem muita besteira, ao lado de coisas maravilhosas. Tudo faz parte de uma mesma produção. Ter contato com isso é ter contato com nossa humanidade. Conseguir conviver com esse grande espelho que é a internet é um avanço, uma tomada de consciência.
Por que, de repente, uma notícia fútil ecoa mais do que outra mais importante?
Isso passa pelo ser humano, claro que um ser humano socialmente construído, em um contexto cultural. Vivemos a cultura da celebridade; há também o efeito da publicidade e das imagens que nossa sociedade produz e consome – uma força motriz que inocula o vírus da necessidade. Construímos uma sociedade que acredita na fofoca e no julgamento da vida alheia.

O Butão, um país que tem o índice de felicidade [FIB - Felicidade Interna Bruta, em substituição ao PIB], justamente, lá não tem televisão. Voltei agora do Japão, e a noção de coletividade deles ficou muito forte para mim. O povo japonês tem crenças milenares, passadas de geração a geração, que alimentam condutas. A gente também tem uma herança cultural potente, que é a mestiçagem – essa mistura é um ativo cultural muito bacana. Convivemos com o diferente com certa facilidade, e esse jeito de se abrir ao outro, essa alteridade, me parece muito relevante.
Algum movimento chamou sua atenção recentemente, aqui ou fora do país?
Desde maio de 2012, passou a vigorar a Lei de Acesso à Informação, que determina, segundo o site oficial de dados abertos do governo, que todos os órgãos da administração direta e indireta devem estar preparados para fornecer ao cidadão qualquer informação que seja considerada pública, sem que haja justificativa para tal solicitação, num prazo de vinte dias. Isso inclui seus dados, seus processos, editais, aplicação dos recursos públicos.

No Brasil, antes da lei,  já existia um movimento que acompanho de perto, o Transparência Hacker, que milita na transparência das informações públicas, dados abertos e participação social principalmente sob a dinâmica do protagonismo em rede.
Os dados estão ali, em formato aberto, disponíveis para serem acessados, cruzados, recombinados e visualizados. Se alguém resolveu cruzar aquela base de dados com outra e teve uma visualização que ninguém tinha tido, isso agrega camadas de inteligência ao processo.
É uma oportunidade deste momento em que vivemos. Os jovens se engajam nessa questão de transparência, do acesso e cruzamento de dados. Esse jeito de funcionar menos estruturado vai bem com essa geração. É aproveitar e usar isso a favor de um certo plano de nação.
Você acha que isso tudo pode gerar uma nova forma de fazer política?
 A gente está tendo, não só no Brasil, vários exemplos da força de mobilização desse coletivo. Cada vez mais volta a existir essa micropolítica, pequenos grupos com interesses específicos que se mobilizam. De alguma forma, as instituições políticas da democracia representativa e do capitalismo financeiro não expressam mais as realidades emergentes das sociedades. E, então, o desinteresse pela esfera institucional é uma consequência. Não adianta só a população participar a cada quatro anos. Cada vez mais esses mecanismos de escuta precisam ser múltiplos, é muita informação. A capacidade de escutar, incluir a escuta no ciclo de uma política pública, e fazer devolutivas, também faz parte desse jeito de fazer política. A questão é, de novo, a transparência dos dados, uma governança mais colaborativa. Já não se trata mais de saber se é necessário ou não, mas sim quando e como os governos vão começar a implementar essa política. Ou entendem isso e saem na frente, ou vão ser atropelados.

Há também os formatos menos processuais e mais “acontecimentos”. Mais impermanentes, zonas autônomas temporárias. Na medida em que as pessoas se conectam, vivenciam compromissos. Que não são estáveis, não são permanentes, mas abrem espaço para todo tipo de debate e participação. O debate é pluritemático e intermitente. Isso gera um novo espaço público em que nada está pré-definido. De repente, cria-se uma adversidade, uma situação que eclode – e as pessoas se engajam e conseguem uma mudança. Seja um manifesto iniciado na rede, que influencia a opinião publica, seja a reação à violência de governos autoritários, cada vez mais teremos esses agenciamentos, em que as pessoas se juntam, participam e depois a coisa se desfaz. As tecnologias oportunizam essas ações. Mas isso também é exercício, é prática, não acredito em mágica.
Como os professores se posicionam diante disso tudo?
Vejo alguns professores animados, abertos a essas novas possibilidades e com potência de ação. Mas há também professores que reverberam o discurso da falta, da reclamação. A situação não é simples mesmo. Em 2009 participamos de um projeto em que implementávamos laboratórios de internet nas escolas, com acesso livre e projetos comunitários. Era uma proposta ousada, em que misturavam-se alunos, professores, gestores, funcionários e a comunidade do entorno. Havia um discurso muito forte de que o professor estava resistente à internet, que ela era uma ameaça etc. Então fizemos o caminho contrário: fomos para a internet tentar achar a escola, o professor, alguma presença na rede. Foi uma quebra do discurso homogêneo: em um universo de 498 escolas, havia a presença na rede de 257 escolas, mais da metade: um professor de ciências que tomou a iniciativa e colocou referências bibliográficas num site, um grupo de alunos que montou um blog da escola, uma professora que compartilhou suas aulas. Tem coisas legais acontecendo, precisamos é de mecanismos de escuta e mapeamento que consigam identificar essa diversidade, senão fica tudo numa régua só. Mas os professores usam mais as tecnologias e a rede em suas vidas pessoais e em contextos administrativos e menos com seus alunos.

Quais os modelos que funcionam e o que falta ser feito?
A própria rede está dando dicas de como ela funciona. Há mais liberdade, menos controle, as pessoas se engajam para atravessar certos interesses. É um convite ao engajamento voluntário, mais do que todo mundo fazendo a mesma coisa. É “de vez em quando” e na pluralidade de causas.  Sempre vão existir os que não participam e, mesmo que queiram participar, não têm a habilidade com a tecnologia: as plataformas, os dados abertos, a capacidade de processamento de informação, que facilitem a participação de quem conhece mais. Será necessário pensar em uma governança compartilhada, em vários níveis. Esse é o desafio, essa é a pauta dos próximos dez anos. É também, simultaneamente, o co-surgir de um olhar mais integralizador de toda a humanidade e a natureza.




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